07 dezembro, 2021

Descoberta gravura de arma na Casa do Conselho da Citânia de Briteiros


No passado mês de setembro foi identificado, ocasionalmente, um motivo decorativo no interior da construção conhecida como "Casa do Conselho", na Citânia de Briteiros (Guimarães). Num dos blocos de granito que formam o banco corrido ao longo da parede interior desta grande casa circular, foi identificada uma gravura que representa uma falcata, ou espada curva, característica da Idade do Ferro. A gravura em questão passou despercebida ao longo dos anos, por ser praticamente invisível a olho nu, sendo apenas possível observar, nos dias de hoje, com recurso a iluminação artificial.
Após a identificação da gravura, foi efetuado, no mês passado, um decalque da superfície gravada, registando assim o motivo decorativo e permitindo uma leitura mais clara.

Não se trata de um exemplo de arte rupestre, sendo antes um objeto representado num elemento arquitetónico, posteriormente ao corte e colocação do bloco.
A arma representada é uma falcata ibérica, amplamente utilizada em diferentes regiões da Península, entre os séculos V e I antes de Cristo. A folha da falcata foi representada através de uma linha contínua. A parte correspondente à empunhadura foi gravada em relevo, embora de forma imperfeita. A gravura tem cerca de 40cm, podendo-se considerar dentro do que seriam as dimensões reais de uma falcata.
 
As falcatas recolhidas nos castros do Noroeste são mais conhecidas como "punhais afalcatados", no que parece ser uma variante local desta arma, mais curta que a falcata ibérica comum. São conhecidos exemplares de punhais afalcatados recolhidos nos castros de Baiza (Gaia), Cruito (Baião), Sanfins (Paços de Ferreira), Falperra (Braga), São Julião (Vila Verde), Santa Tecla (Pontevedra, Galiza) e Saceda (Ourense, Galiza). Existe, também, um exemplar de uma falcata ibérica típica recolhida no Castro de Frades (Montalegre).
As espadas produzidas, em 2013, pela oficina de Gaspar Carreira, para utilização no evento "Citânia Viva", organizado pela Casa do Povo de Briteiros, foram inspiradas diretamente no modelo da falcata ibérica.
A dispersão destes achados, que não ocorrem no norte da atual Galiza, onde abundam os também característicos "punhais de antenas", parece confirmar a origem oriental da falcata, chegando à Península através do Mediterrâneo, estendendo-se para norte o seu fabrico e utilização.

É conhecido um exemplo da utilização da falcata na iconografia do período castrejo, embora datado da fase da Romanização. Com efeito, as falcatas são uma das armas que figuram nas primeiras moedas romanas cunhadas no norte da Península, algumas das quais foram recolhidas na Citânia de Briteiros, e que são célebres por figurarem um conjunto de armas dos guerreiros indígenas. No entanto, não se conheciam exemplares gravados em elementos de granito. O paralelo mais próximo são duas ombreiras, também provenientes da Citânia de Briteiros, que mostram uma tenaz de ferreiro. Contudo, as representações de tenazes teriam objetivos e significado distintos, além de esculpidas em relevo, portanto tecnicamente diferentes da gravura de falcata, agora identificada.
Não são também comuns, na arte rupestre da Idade do Ferro, representações de armas, como acontece em conjuntos gravados em períodos mais antigos.

A inexistência de paralelos limita a interpretação desta gravura, embora se insira num contexto muito particular. A "Casa do Conselho" da Citânia era uma estrutura circular com 11 metros de diâmetro localizada na acrópole do povoado. Terá sido descoberta entre 1891 e 1892, nas campanhas de Martins Sarmento, sendo então interpretada como o local de realização das grandes assembleias, servindo para o efeito o banco de pedra que circuita a parede interior. Uma grande sala de reuniões, que se associa, para vários autores recentes, ao funcionamento de um conselho comunitário ou à realização de banquetes coletivos. A inexistência de trabalhos arqueológicos recentes na área ocupada por esta construção, posteriores ao restauro realizado em 1956, limitam a datação do edifício que, contudo, se considera anterior ao estabelecimento da malha urbana do povoado, genericamente datável do século I antes da nossa Era.
A única construção coetânea claramente equiparável é uma grande casa circular, também com banco corrido interior, identificada no centro do Castro do Vieito (Perre, Viana do Castelo), em 2004, monumento desmontado para construção do troço da autoestrada A28. Porém, vários investigadores sustentam que a existência destas construções, com diferentes dimensões, seria habitual no interior dos castros, além de existirem construções diferentes desta, mas interpretadas como de idêntica função.

Esta gravura de falcata podia ser meramente decorativa ou ter um significado claro para os frequentadores do espaço, atendendo a que não se encontraram mais motivos gravados nas outras pedras do banco corrido. Certo parece ser que a figuração de armas e guerreiros, particularmente na estatuária, se inseria na simbologia do poder dos chefes locais.

A descoberta deste elemento inédito revela, mais uma vez, como a Citânia de Briteiros continua a propiciar conhecimento histórico relevante. A gravura agora identificada foi já registada, estudando-se a melhor forma de proteção da superfície gravada.
 
 
A "Casa do Conselho", na Citânia de Briteiros.
 
Trabalhos de levantamento da gravura realizados em novembro de 2021.
 
Fotografia noturna da gravura de falcata.

 
Fotografia noturna do bloco com gravura, vendo-se a parede interior da casa.
 
Uma falcata ibérica recolhida em Almedinilla (Córdova), numa gravura publicada por Cristóvão Aires, em 1896.

Moeda romana recolhida na Citânia de Briteiros, com uma falcata ibérica visível do lado direito (fotografia de Martins Sarmento).

 

Os técnicos responsáveis pelo registo: Gonçalo Cruz e José Antunes.


Com especial agradecimento a José Maria Gomes, Carmo Luís, Artur Marquez e Miguel Ventura, pelo apoio logístico.


Para saber mais.


Sobre a utilização dos punhais afalcatados no Noroeste da Península:
Alfredo González-Ruibal. "Galaicos. Poder y Comunidad en el Noroeste de la Península Ibérica (1200 a.C. – 50 d.C.)", Revista Brigantium, 18-19, 2006-07 (volume II, páginas 433 a 441).

Sobre a cronologia e origens da falcata:
Leandro Tristão. Armas e Ritos na II Idade do Ferro do Ocidente Peninsular. Dissertação de Mestrado em Arqueologia, FCSH Universidade Nova de Lisboa, 2012.

Sobre a "casa do conselho" do Castro do Vieito: 
António Silva. O Castro do Vieito. Um povoado indígena do alto-império no estuário do rio Lima, s/d, disponível aqui.

publicado por SMS às 14:00

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