Páscoa Feliz!
O Folar,
(Costumes do Minho)
Quadro do Sr. A. Roquemont
(Costumes do Minho)
Quadro do Sr. A. Roquemont
Não conhece Portugal o que não viu e estudou as nossas provincias do norte, mas especialmente o Minho. A raça, as feições, o trajo, os costumes, tudo alli é characteristico. O solo, o clima, a vegetação, a cultura, tudo alli é bello. São os campos mais verdes, as árvores mais esbeltas, as mulheres mais bonitas, e os habitos mais sinceros de todo o reino: do reino que alli nasceu e que d'alli se estendeu até aos Algarves.
Poesia e pintura portuguesa hade-se ir fazer alli; em certos generos nunca se fara bem se o poeta, o pintor não conhecer e não copiar a nossa Arcadia, que é aquella provincia.
O Sr. Roquemont, artista distincto cujo principal character e merecimento é a verdade, por uma longa residencia no Minho é que se fez portuguez, artista portuguez legítimo, como ochala que sempre sejam todos os nossos naturaes.
Na última exposição de Lisboa (1843) notámos os dous lindos quadros de genero com que a illustrou: ambos eram de scenas minhotas, ambos cheios de graça e de verdade. O Sr. conde de Luckner, ministro de Dinamarca n'esta côrte, fez a aquisição d'estes dous quadros, avaliando como conhecedor que é, o seu muito merecimento. Por favor de S. Ex.ª poderam os Srs. Editores desta obra fazer copiar um d'elles e hoje tem a satisfação de o dar aos seus assignantes no presente desenho litographico.
Representa o abbade, o parocho da aldea, entrando n’uma casa de lavrador a pedir o folar — dom voluntario dos freguezes ao seu pastor por occasião da festa de paschoa.
Sôbre tudo n'este quadro o effeito da luz é primoroso: o sol entrando pela unica janella da casa, vai tocar na extremidade de uma mesa, e de permeio allumia parte do berço aonde jaz uma criancinha. A restea de sol, reflectida por todo o pavimento, está distribuida de fórma que se distinguem perfeitamente os objectos, sem com tudo em nada perder da sua fôrça o rigoroso escuro do fundo sôbre que destacam as figuras do padre e do sachristão.
N'esta parte da transparencia dos escuros póde este quadro comparar-se aos da eschola flamenga de scenas familiares e interiores, aonde custa a perceber como, por meio de tons sempre diaphanos, se póde conseguir uma força extraordinaria que, pela sua grande transparencia, produz de ordinario unta perfeita illusão.
A verdade, a expressão, a naturalidade e a posição das figuras são, como ja dissemos, de quem conhece perfeitamente o paiz, a sua natureza e o seu povo.
Quem não vê na cabeça d'aquelle bom abbade um dos tantos singelos e bondosos pastores que d'antes contava a nossa egreja, cansados da edade e dos trabalhos da sua cura, modestos e obscuros heroes que fugiam da glória van do mundo, e praticavam, quasi as escondidas, todas as virtudes que fazem um sancto e um grande homem?
O sachristão tem uma physionomia natural, o velho pae do dono da casa faz na sua expressão devota um contraste bem notavel com certa indiferença que parece mostrar o filho. É o seculo passado e o presente. Nas mulheres que estão no fundo conhece-se, a par da devoção, a attenção que dão ás flores que coroam a imagem do Sancto-Christo.
A mulher que vende os ovos, assim como o moço que os compra, estão bem characterizados. O socêgo do gato sentado ao sol, a innocencia da minina que juncto do berço olha para a cerimonia sem a intender, tudo está primorosamente natural.
É para admirar que o Sr. Roquemont sem modellos conseguisse tanto. Com reminiscencias — e bem se vê que o quadro é feito d'ellas — ninguem poderia fazer melhor.
Tem este quadro 10 polegadas de altura, e 14 de comprimento.
A. G.
Almeida Garrett, O Folar, (Costumes do Minho), Quadro do Sr. A. Roquemont, Jornal das Bellas-Artes n.º 1, 1843, cf. O Real em Revista [https://bit.ly/3elixCq](pesquisa: roquemont).
Consultado em http://lisboa-e-o-tejo.blogspot.com/2017/07/garretismo.html, em 09/04/2020
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