Sobre o nascimento de D. Afonso Henriques
Com o aproximar das celebrações do centenário do nascimento de D. Afonso Henriques, vão chegando ecos, através da comunicação social, acerca de uma suposta disputa entre Viseu e Guimarães quanto ao local de nascimento do rei fundador. A verdade é que tal disputa não existe uma vez que, nesta matéria, o conhecimento histórico se encontra exactamente no mesmo estado em que se encontrava há um século. Como facilmente se demonstra, as fontes históricas directas não permitem sustentar qualquer hipótese credível quanto a local e a data exacta de nascimento de Afonso Henriques. Por outro lado, é consistente e muito antiga a tradição que diz D. Afonso Henriques nasceu em Guimarães.
A Sociedade Martins Sarmento não tem novos argumentos a juntar a esta matéria. Porém, está em condições de demonstrar que a tese de A. de Almeida Fernandes segundo a qual D. Afonso Henriques terá nascido em Viseu, “à roda do dia 5 de Agosto de 1109” é falha de rigor e de fundamentação e não tem sustentabilidade.
Quando, no início da década de 1990, surgiu a obra “Viseu, Agosto de 1109 – nasce D. Afonso Henriques”, a tese enunciada por Almeida Fernandes não mereceu crédito da comunidade científica. Foi preciso chegar ao ano de 2007 para que acontecesse aquilo que alguns se apressaram a entender como uma validação da hipótese viseense. Na sua biografia de D. Afonso Henriques, José Mattoso escreveu que “a demonstração feita por Almeida Fernandes alcança verosimilhança suficiente para se admitir como possível, ou mesmo a mais provável, até que outras provas sejam apresentadas em contrário”. E assim, de hipotética, a tese passou, para alguns, à condição de certeza, ignorando a prevenção de Mattoso: “para um problema como o do nascimento de Afonso Henriques, não há certeza alguma, apesar da confiança que Almeida Fernandes põe nas suas próprias afirmações”.
A tese defendida por Almeida Fernandes é a seguinte: D. Afonso Henriques nasceu “à roda do dia 5 de Agosto de 1109”, em Viseu, onde a sua progenitora estava retida por esses dias, por força do seu estado fisiológico. Para chegar a esta conclusão, socorreu-se de três documentos: a passagem da Chronica Gothorum (Anais de D. Afonso Henriques, Rei dos Portugueses) onde se diz que o infante tinha de dois para três anos aquando da morte de seu pai, ocorrida a 1 de Maio de 1112; a doação do Mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra, em 29 de Julho de 1109; e o foral de Azurara da Beira (actual Mangualde), que Almeida Fernandes data de 5 de Agosto de 1109.
Com base na indicação da Chronica Gothorum, Almeida Fernandes afirma que, à morte de D. Henrique, Afonso Henriques teria dois anos e nove meses, o que o colocava a nascer no início de Agosto de 1109. Ora, a fixação da data de nascimento do filho de Henrique e Teresa num momento preciso carece de sustentação. A única leitura que aquele documento autoriza é a de que, quando morreu seu pai, Afonso Henriques contava dois anos completos e ia a caminho dos três. Ou seja, poderia ter nascido em qualquer data entre o início de Maio de 1109 e o final de Abril de 1110. Ao avançar com uma data, mesmo que aproximada, estamos a entrar no terreno da especulação e da imaginação, bem longe do rigor histórico.
Tomando por base duas cópias do documento de doação do Mosteiro do Lorvão à Sé de Coimbra, Almeida Fernandes afirma e reitera que D. Teresa não esteve presente na cerimónia de outorga e confirmação da doação, que teve lugar sobre o altar da Catedral de Coimbra, no dia 19 de Julho de 1109, o que justificaria o segundo documento, posteriormente assinado em Viseu. Acontece que nada há que indique que D. Teresa não esteve presente no acto de doação, antes pelo contrário: esteve presente e assinou a doação ao lado do marido. Quanto a isto, o documento de 29 de Julho é inequívoco. Em relação à cópia deste documento, que Almeida Fernandes concluiu ser a confirmação de D. Teresa, é, de facto, uma confirmação da doação do mosteiro de Lorvão, não D. Teresa, mas sim de Bernardo, Arcebispo de Toledo, na condição de representante da Santa Sé, que não tinha estado presente na cerimónia da Sé de Coimbra. Portanto, estes documentos não servem para demonstrar que D. Teresa estivesse, por aquela altura, retida em Viseu, antes pelo contrário. Também não servem para confirmar a conclusão de Almeida Fernandes de que os homens de Viseu que participaram na cerimónia de Coimbra seriam seus representantes. Não eram, certamente, uma vez que, estando Teresa presente, tal “representação” não faria sentido. Ora sendo este último, segundo Almeida Fernandes, “o documento fundamental” do seu estudo, o mesmo fica sem o seu principal fundamento.
Quanto ao foral de Azurara da Beira, chamado à colação por Almeida Fernandes por nele ter participado Egas Moniz (que, segundo aquele autor, estaria em Viseu para ir buscar o infante recém-nascido, cuja educação lhe estaria prometida), não tem qualquer préstimo para a elucidação do local e da data de nascimento de D. Afonso Henriques. Por duas razões: porque a data que nele consta é o ano de 1102 (levantam-se dúvidas quanto a esta data, mas nada permite afirmar que seja de 5 de Agosto de 1109, como pretende Almeida Fernandes) e porque não se sabe qual tivesse sido o local da outorga, nada nele constando que permita concluir que tivesse sido Viseu. Também nada se sabe acerca das circunstâncias que permitiram o envolvimento de Egas Moniz neste acto.
A tese de Almeida Fernandes sobre a suposta naturalidade viseense de D. Afonso Henriques é uma construção hipotética a que a documentação coeva não dá suporte. Estamos, como a Sociedade Martins Sarmento já afirmou antes, onde sempre estivemos. A ciência histórica não tem dados que lhe permitam fixar a data nem o local de nascimento de D. Afonso Henriques. Assim sendo, onde falha a História, prevalece a tradição, antiga de muitos séculos.
Guimarães, 15 de Junho de 2009
A Direcção da Sociedade Martins Sarmento
A Direcção da Sociedade Martins Sarmento
2 Comments:
Afinal em que ficamos, Guimarães concorda, festejando em 2009, ou não?
Não é uma questão de concordar ou não concordar. Há muito que está demonstrado, tanto quanto é possível demonstrar com aquilo com que a história trabalha, os documentos disponíveis, que Afonso Henriques terá nascido em 1109. Portanto, em Guimarães comemora-se este ano o nascimento do Rei Fundador. O que não impede que em 2011 se venha a assinalar também o centenário da grande celebração cívica de 1911.
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