9 de Março: Discurso do Presidente da Direcção da Sociedade Martins Sarmento
Intervenção do Presidente da Sociedade Martins Sarmento, Dr. António Amaro das Neves, na Sessão Solene de entrega dos Prémios Escolares da Sociedade Martins Sarmento, decorrida a 9 de Março de 2009:
"Vão-se completar 20 anos sobre a grave crise directiva que atingiu a Sociedade Martins Sarmento e que acabou por abrir as portas para o profundo processo de renovação que seria protagonizado pelas direcções presididas pelo Dr. Santos Simões. Vivendo num tempo em que a mudança faz parte integrante do quotidiano, temos dificuldade na percepção daquilo que muda no fundo do que permanece. Quando olhamos para o presente, sobressai a visão do que permanece, quando o fazemos retrospectivamente, temos a evidência daquilo que mudou. E, nesta casa, muitas foram as mudanças que se deram ao longo das últimas duas décadas.
Em termos pessoais, tenho hoje a noção, cada vez mais clara, de fazer parte de um final de ciclo, e de estarmos à beira da abertura de um novo, que irá, necessariamente, envolver novos protagonistas. Permitam-me, por isso, que faça uma rápida viagem ao passado, ao início deste ciclo, já lá vão duas décadas, para percebermos até que ponto a realidade de hoje é diferente da de ontem.
Em 1989, a Sociedade Martins Sarmento tinha duas funcionárias que asseguravam o expediente da casa. Contava ainda com a colaboração de dois aposentados que aqui juntavam um pequeno complemento às suas pensões de reforma (um que fazia o serviço de porteiro na sede e outro que vigiava a Citânia de Briteiros), além de uma senhora que fazia a limpeza e ganhava à hora. As contas desse ano indicam que as despesas efectuadas se ficavam pelos 6.597 contos (um pouco menos de 33 mil euros). Hoje, prestam serviço na Sociedade Martins Sarmento 17 profissionais remunerados, dos quais 7 são licenciados ou pós-graduados. Os encargos a que a instituição teve de fazer frente no último ano, num contexto de aperto e de extremo rigor na gestão dos meios disponíveis, rondaram os 250 mil euros.
Estes dois indicadores, quadro de pessoal e despesa efectuada, contribuem para dar uma visão clara da dimensão da mudança que atingiu esta casa ao longo das últimas duas décadas. A Sociedade Martins Sarmento vive hoje num paradigma completamente diferente do de há vinte anos. E esta mudança fez-se acompanhar por uma acção determinada com vista à defesa, à revalorização e ao acrescentamento do seu património:
- Desde logo, com intervenções urgentes no edifício sede que, por falta de uma acção de conservação consistente, apresentava graves problemas, ameaçando, literalmente, desmoronar-se. Estas intervenções transformaram-se, durante muito tempo, num inesgotável sorvedouro de dinheiro.
- Em simultâneo, ocorreram sucessivas intervenções de requalificação na Citânia Briteiros, recuperando estruturas danificadas e dotando-a de condições de acolhimento a visitantes mais adequadas. Note-se que, no início da década de 1990, aquele sítio arqueológico não dispunha de serviços tão elementares como electricidade, água corrente, instalações sanitárias ou telefone. Hoje, temos orgulho em afirmar que a Citânia é um dos sítios arqueológicos portugueses dotados de melhores condições de recepção de visitantes. E o investimento na sua valorização, tanto científica como patrimonial, continua: de há uns anos a esta parte foram retomadas as campanhas de escavação na Citânia e, ainda há pouco tempo, foi inaugurada a requalificação do balneário sul.
- Nos idos de 1989, o Solar da Ponte, também em Briteiros, estava em ruínas e praticamente ao abandono. Nos anos que se seguiram, foi recuperado e nele foi instalado o Museu da Cultura Castreja.
Quando se olha para os investimentos que têm sido feitos e para o crescimento dos encargos desta Instituição, resultante da revitalização da sua actividade, poder-se-á perguntar, uma vez que a Sociedade Martins Sarmento se tem debatido com dificuldades crónicas de financiamento, que milagre é este? Nenhum milagre, apenas algo que é muito nosso, muito vimaranense e que está na matriz desta casa: entusiasmo, dedicação à coisa pública, trabalho voluntário, participação cívica. E, sem dúvida, uma boa dose de imaginação.
Porém, se a imaginação não tem limites, os constrangimentos terrenos resultantes da penúria de meios financeiros têm marcado presença constante no dia-a-dia desta casa. Se, com meios escassos e tostões contados, se faz o que se vai fazendo, pode-se imaginar o que se poderia ter feito, vivendo-se com um pouco menos de aperto.
Ao longo destas duas décadas, a Sociedade Martins Sarmento tem trabalhado para obter do Estado o reconhecimento da sua obra e do seu património. Não raras vezes, ia ficando a ideia de que, lá onde se decidem os destinos deste país, se encarava esta Instituição como uma qualquer sociedade recreativa, onde meia dúzia de desocupados se reuniam ao entardecer, à roda de uma mesa onde se batiam as cartas da bisca ou da sueca ou se alinhavam as pedras do dominó. Mas esta Sociedade, nos seus quase 130 anos, é algo diferente disso.
Nasceu como “promotora da instrução popular” no concelho de Guimarães e esta terra muito lhe deve na área do ensino.
Tem a seu cargo quatro monumentos nacionais e cinco imóveis de interesse público. Ao todo, possui treze edifícios, monumentos ou sítios arqueológicos, tombados no inventário do património arquitectónico da ex-DGEMN.
Tem dois museus, um já do século XXI; o outro é o mais antigo museu arqueológico hoje em funcionamento em Portugal, reunindo-se em ambos um espólio muito invejado, porque invejável.
Dispõe de uma importante biblioteca pública, com uma colecção bibliográfica particularmente rica no designado “livro antigo”.
É depositária das bibliotecas e dos manuscritos de diversos escritores de renome local e nacional, que lhe confiaram os seus espólios científicos e literários, de Francisco Martins Sarmento a Raul Brandão.
Por aqui, entre os Museus, a Biblioteca e o Arquivo abundam tesouros culturais ímpares.
A Sociedade Martins Sarmento é, seguramente, o mais rico repositório da memória colectiva do nosso concelho e da nossa região.
Por tudo isso, e por tudo o mais que me dispenso de enumerar, exerce um valioso serviço de inegável interesse público que o Estado português persistiu, ao longo de muitas décadas em não reconhecer, furtando-se a contribuir com a sua quota-parte no esforço de dar sustentabilidade à actividade e ao património desta velha Instituição.
Recordo aqui as sucessivas tentativas que, ao longo das últimas décadas, foram feitas para alterar tal estado de coisas. Recordo os volumosos dossiês que eram remetidos ao Ministério da Cultura, sempre que ocorria mudança de equipa ministerial; recordo também as audiências de sucessivos Ministros da Cultura concedidas ao Dr. Santos Simões, sempre acompanhado pelo Dr. António Ribeiro. Por várias vezes ouvi dizer, no regresso de tais reuniões: “é desta”. Mas não era. Nunca foi. Porque a inconstância da governação, em especial na área da cultura, é, entre nós, maior do que a inconstância do tempo, e porque a cada mudança de Ministro correspondia mudança de política. A cada alteração de protagonistas, era, de novo, o regresso ao ponto de partida, à tábua rasa.
Até que, aquando da tomada de posse do actual Governo, se reuniram, finalmente, as condições que nos permitiram acreditar que, desta vez seria, de facto, diferente. Para que essas condições se reunissem, tivemos o apoio dos eleitos deste círculo de todos os partidos, permitindo-me aqui destacar, por razões naturais, a contribuição inestimável que nos foi dada pelo deputado Miguel Laranjeiro, que nos ajudou a abrir portas no Palácio da Ajuda. Desta vez, estava à frente do Ministério da Cultura alguém que já conhecia bem esta casa, a sua natureza e o seu património. Não houve necessidade de grandes explicações para ouvirmos, do lado de lá, que o Ministério da Cultura estava aberto a que se encontrasse uma solução que permitisse reparar uma lacuna quase tão velha como esta Instituição. O Estado dispunha-se, finalmente, a apoiar, de modo sistemático e permanente, a actividade da Sociedade Martins Sarmento. Faltava encontrar o modelo de financiamento. Consensualizou-se que teria a natureza de uma parceria público-privado, envolvendo outras entidades, nomeadamente a Câmara Municipal de Guimarães e a Universidade do Minho, que, desde logo, também se manifestaram disponíveis para participarem nessa solução. Entre as partes acertou-se que a parceria deveria adoptar a forma de uma fundação. Esta intenção foi formalizada nesta mesma sala, em Fevereiro de 2007, com a assinatura de um protocolo que previa a criação da fundação em 90 dias, subscrito pelas quatro entidades fundadoras.
O percurso legislativo seria muito mais lento do que o inicialmente previsto. Em finais de 2007, foi finalmente aprovado o Decreto-Lei que criava a Fundação Martins Sarmento. Com a sua publicação, no dia 8 de Fevereiro de 2008, estavam criadas as condições para que o arranque da nova entidade acontecesse, finalmente.
Por coincidência, a publicação do Decreto-Lei ocorreu quase em simultâneo com a mudança de equipa no Ministério da Cultura. Do Senhor Ministro que então chegava, não tardou, por voz própria, a confirmação de que os compromissos assumidos pelo Estado seriam cumpridos. Só que não o têm sido. Ainda hoje, continuamos à espera de que o Estado dê os passos que faltam para que a Fundação Martins Sarmento funcione. Temos insistido e nessa insistência, é justo dizê-lo, temos contado com todo o apoio dos nossos parceiros, nomeadamente da Câmara Municipal de Guimarães. Até hoje, sem sucesso. As respostas esperadas tardam. Do lado do Ministério da Cultura, temos esbarrado num muro de silêncio que, para a actual Direcção da Sociedade Martins Sarmento, já ultrapassou o limite do sustentável.
Da ausência de respostas, saberemos extrair, perante os sócios desta casa, as necessárias conclusões. Pela nossa parte, o desgaste é grande. Não é fácil segurar uma casa com a dimensão desta e com a complexidade dos problemas com que se confronta no seu dia-a-dia, sem se saber com o que se conta no curto e no médio prazo. Há muito que o seu governo é um exercício de equilíbrio em cima do fio da navalha. Pé ante pé, mês a mês, tem-se conseguido encontrar resposta para os problemas da Instituição. Contra ventos e marés, a SMS tem honrado escrupulosamente os seus compromissos, mantendo as suas contas em ordem e em dia. Mas esta situação não é mais sustentável. Foi por essa razão que a Direcção da Sociedade Martins Sarmento decidiu tornar públicos, no dia de hoje, os problemas que a inquietam.
Aqui, seguimos o exemplo do nosso patrono, Francisco Martins Sarmento, e não nos resignamos. Não aceitamos, no que respeita às coisas da cultura e do património, o retorno a velhas práticas de sujeição ao espírito de corte, essa velha corte tão benevolente e magnânima nas tenças e nas mercês que distribuía pelos que a frequentavam, e sempre fria, majestática e distraída no modo como se distanciava da pobre gente que tinha a desdita de habitar pela província, lá pelas terras que ficavam para além da linha do horizonte por onde o olhar se estendia, mas que a vista não alcançava. Por não nos resignarmos, continuaremos a trabalhar para que uma Instituição como a Sociedade Martins Sarmento seja tratada com o respeito que lhe é devido.
O discurso da lamúria nunca foi a marca da actual Direcção da Sociedade Martins Sarmento. Somos, por natureza e convicção, optimistas. Sabemos que as dificuldades são transitórias e que acabarão por ser superadas. Porque uma instituição com um passado tão grande, apesar do presente assim mesquinho, só pode ter pela frente um grande futuro. Acreditamos que o Governo Português acabará por cumprir os termos do protocolo que connosco subscreveu e do decreto-lei que ele mesmo aprovou. Na letra e no espírito. Sabemos que a SMS continuará à espera, pelo tempo que for necessário. Só não temos a certeza de que a actual Direcção da SMS tenha tempo e condições para esperar.
Se esta situação não for ultrapassada rapidamente, e na consciência da falta de condições para assegurar o cumprimento daquilo a que nos comprometemos perante os que nos elegeram, embora por razões que nos ultrapassam, seremos forçados a devolver o governo da Sociedade Martins Sarmento aos seus sócios. Entregá-la-emos saneada de dívidas e com um património mais rico do que aquele que nos foi entregue para cuidar, mas com grandes incertezas em relação ao futuro próximo.
Uma última palavra de profunda confiança na capacidade desta instituição em ultrapassar as crises por que tem passado ao longo da sua existência. Por várias vezes lhe decretaram a morte próxima e lhe encomendaram as exéquias. De todas as crises esta velha Instituição recuperou revigorada na sua vitalidade. Assim sucederá agora, uma vez mais.
Apesar de tudo, o último ano foi um ano de intensa actividade cultural, patrimonial, científica e editorial. Para os tempos que aí vêm, não faltam projectos, da renovação do Museu Arqueológico em Guimarães à revalorização do Castro de Sabroso, passando pela reinstalação da nossa Biblioteca, pelo envolvimento nas comemorações do nono centenário do nascimento de D. Afonso Henriques ou pelo assinalar dos 125 anos depois de 1884, ano de viragem de Guimarães no sentido da modernidade, não faltam a esta Instituição projectos estimulantes. Assim não lhe faltem os meios nem o apoio e o carinho dos vimaranenses e de todos quantos se revêem nesta Instituição."
"Vão-se completar 20 anos sobre a grave crise directiva que atingiu a Sociedade Martins Sarmento e que acabou por abrir as portas para o profundo processo de renovação que seria protagonizado pelas direcções presididas pelo Dr. Santos Simões. Vivendo num tempo em que a mudança faz parte integrante do quotidiano, temos dificuldade na percepção daquilo que muda no fundo do que permanece. Quando olhamos para o presente, sobressai a visão do que permanece, quando o fazemos retrospectivamente, temos a evidência daquilo que mudou. E, nesta casa, muitas foram as mudanças que se deram ao longo das últimas duas décadas.
Em termos pessoais, tenho hoje a noção, cada vez mais clara, de fazer parte de um final de ciclo, e de estarmos à beira da abertura de um novo, que irá, necessariamente, envolver novos protagonistas. Permitam-me, por isso, que faça uma rápida viagem ao passado, ao início deste ciclo, já lá vão duas décadas, para percebermos até que ponto a realidade de hoje é diferente da de ontem.
Em 1989, a Sociedade Martins Sarmento tinha duas funcionárias que asseguravam o expediente da casa. Contava ainda com a colaboração de dois aposentados que aqui juntavam um pequeno complemento às suas pensões de reforma (um que fazia o serviço de porteiro na sede e outro que vigiava a Citânia de Briteiros), além de uma senhora que fazia a limpeza e ganhava à hora. As contas desse ano indicam que as despesas efectuadas se ficavam pelos 6.597 contos (um pouco menos de 33 mil euros). Hoje, prestam serviço na Sociedade Martins Sarmento 17 profissionais remunerados, dos quais 7 são licenciados ou pós-graduados. Os encargos a que a instituição teve de fazer frente no último ano, num contexto de aperto e de extremo rigor na gestão dos meios disponíveis, rondaram os 250 mil euros.
Estes dois indicadores, quadro de pessoal e despesa efectuada, contribuem para dar uma visão clara da dimensão da mudança que atingiu esta casa ao longo das últimas duas décadas. A Sociedade Martins Sarmento vive hoje num paradigma completamente diferente do de há vinte anos. E esta mudança fez-se acompanhar por uma acção determinada com vista à defesa, à revalorização e ao acrescentamento do seu património:
- Desde logo, com intervenções urgentes no edifício sede que, por falta de uma acção de conservação consistente, apresentava graves problemas, ameaçando, literalmente, desmoronar-se. Estas intervenções transformaram-se, durante muito tempo, num inesgotável sorvedouro de dinheiro.
- Em simultâneo, ocorreram sucessivas intervenções de requalificação na Citânia Briteiros, recuperando estruturas danificadas e dotando-a de condições de acolhimento a visitantes mais adequadas. Note-se que, no início da década de 1990, aquele sítio arqueológico não dispunha de serviços tão elementares como electricidade, água corrente, instalações sanitárias ou telefone. Hoje, temos orgulho em afirmar que a Citânia é um dos sítios arqueológicos portugueses dotados de melhores condições de recepção de visitantes. E o investimento na sua valorização, tanto científica como patrimonial, continua: de há uns anos a esta parte foram retomadas as campanhas de escavação na Citânia e, ainda há pouco tempo, foi inaugurada a requalificação do balneário sul.
- Nos idos de 1989, o Solar da Ponte, também em Briteiros, estava em ruínas e praticamente ao abandono. Nos anos que se seguiram, foi recuperado e nele foi instalado o Museu da Cultura Castreja.
Quando se olha para os investimentos que têm sido feitos e para o crescimento dos encargos desta Instituição, resultante da revitalização da sua actividade, poder-se-á perguntar, uma vez que a Sociedade Martins Sarmento se tem debatido com dificuldades crónicas de financiamento, que milagre é este? Nenhum milagre, apenas algo que é muito nosso, muito vimaranense e que está na matriz desta casa: entusiasmo, dedicação à coisa pública, trabalho voluntário, participação cívica. E, sem dúvida, uma boa dose de imaginação.
Porém, se a imaginação não tem limites, os constrangimentos terrenos resultantes da penúria de meios financeiros têm marcado presença constante no dia-a-dia desta casa. Se, com meios escassos e tostões contados, se faz o que se vai fazendo, pode-se imaginar o que se poderia ter feito, vivendo-se com um pouco menos de aperto.
Ao longo destas duas décadas, a Sociedade Martins Sarmento tem trabalhado para obter do Estado o reconhecimento da sua obra e do seu património. Não raras vezes, ia ficando a ideia de que, lá onde se decidem os destinos deste país, se encarava esta Instituição como uma qualquer sociedade recreativa, onde meia dúzia de desocupados se reuniam ao entardecer, à roda de uma mesa onde se batiam as cartas da bisca ou da sueca ou se alinhavam as pedras do dominó. Mas esta Sociedade, nos seus quase 130 anos, é algo diferente disso.
Nasceu como “promotora da instrução popular” no concelho de Guimarães e esta terra muito lhe deve na área do ensino.
Tem a seu cargo quatro monumentos nacionais e cinco imóveis de interesse público. Ao todo, possui treze edifícios, monumentos ou sítios arqueológicos, tombados no inventário do património arquitectónico da ex-DGEMN.
Tem dois museus, um já do século XXI; o outro é o mais antigo museu arqueológico hoje em funcionamento em Portugal, reunindo-se em ambos um espólio muito invejado, porque invejável.
Dispõe de uma importante biblioteca pública, com uma colecção bibliográfica particularmente rica no designado “livro antigo”.
É depositária das bibliotecas e dos manuscritos de diversos escritores de renome local e nacional, que lhe confiaram os seus espólios científicos e literários, de Francisco Martins Sarmento a Raul Brandão.
Por aqui, entre os Museus, a Biblioteca e o Arquivo abundam tesouros culturais ímpares.
A Sociedade Martins Sarmento é, seguramente, o mais rico repositório da memória colectiva do nosso concelho e da nossa região.
Por tudo isso, e por tudo o mais que me dispenso de enumerar, exerce um valioso serviço de inegável interesse público que o Estado português persistiu, ao longo de muitas décadas em não reconhecer, furtando-se a contribuir com a sua quota-parte no esforço de dar sustentabilidade à actividade e ao património desta velha Instituição.
Recordo aqui as sucessivas tentativas que, ao longo das últimas décadas, foram feitas para alterar tal estado de coisas. Recordo os volumosos dossiês que eram remetidos ao Ministério da Cultura, sempre que ocorria mudança de equipa ministerial; recordo também as audiências de sucessivos Ministros da Cultura concedidas ao Dr. Santos Simões, sempre acompanhado pelo Dr. António Ribeiro. Por várias vezes ouvi dizer, no regresso de tais reuniões: “é desta”. Mas não era. Nunca foi. Porque a inconstância da governação, em especial na área da cultura, é, entre nós, maior do que a inconstância do tempo, e porque a cada mudança de Ministro correspondia mudança de política. A cada alteração de protagonistas, era, de novo, o regresso ao ponto de partida, à tábua rasa.
Até que, aquando da tomada de posse do actual Governo, se reuniram, finalmente, as condições que nos permitiram acreditar que, desta vez seria, de facto, diferente. Para que essas condições se reunissem, tivemos o apoio dos eleitos deste círculo de todos os partidos, permitindo-me aqui destacar, por razões naturais, a contribuição inestimável que nos foi dada pelo deputado Miguel Laranjeiro, que nos ajudou a abrir portas no Palácio da Ajuda. Desta vez, estava à frente do Ministério da Cultura alguém que já conhecia bem esta casa, a sua natureza e o seu património. Não houve necessidade de grandes explicações para ouvirmos, do lado de lá, que o Ministério da Cultura estava aberto a que se encontrasse uma solução que permitisse reparar uma lacuna quase tão velha como esta Instituição. O Estado dispunha-se, finalmente, a apoiar, de modo sistemático e permanente, a actividade da Sociedade Martins Sarmento. Faltava encontrar o modelo de financiamento. Consensualizou-se que teria a natureza de uma parceria público-privado, envolvendo outras entidades, nomeadamente a Câmara Municipal de Guimarães e a Universidade do Minho, que, desde logo, também se manifestaram disponíveis para participarem nessa solução. Entre as partes acertou-se que a parceria deveria adoptar a forma de uma fundação. Esta intenção foi formalizada nesta mesma sala, em Fevereiro de 2007, com a assinatura de um protocolo que previa a criação da fundação em 90 dias, subscrito pelas quatro entidades fundadoras.
O percurso legislativo seria muito mais lento do que o inicialmente previsto. Em finais de 2007, foi finalmente aprovado o Decreto-Lei que criava a Fundação Martins Sarmento. Com a sua publicação, no dia 8 de Fevereiro de 2008, estavam criadas as condições para que o arranque da nova entidade acontecesse, finalmente.
Por coincidência, a publicação do Decreto-Lei ocorreu quase em simultâneo com a mudança de equipa no Ministério da Cultura. Do Senhor Ministro que então chegava, não tardou, por voz própria, a confirmação de que os compromissos assumidos pelo Estado seriam cumpridos. Só que não o têm sido. Ainda hoje, continuamos à espera de que o Estado dê os passos que faltam para que a Fundação Martins Sarmento funcione. Temos insistido e nessa insistência, é justo dizê-lo, temos contado com todo o apoio dos nossos parceiros, nomeadamente da Câmara Municipal de Guimarães. Até hoje, sem sucesso. As respostas esperadas tardam. Do lado do Ministério da Cultura, temos esbarrado num muro de silêncio que, para a actual Direcção da Sociedade Martins Sarmento, já ultrapassou o limite do sustentável.
Da ausência de respostas, saberemos extrair, perante os sócios desta casa, as necessárias conclusões. Pela nossa parte, o desgaste é grande. Não é fácil segurar uma casa com a dimensão desta e com a complexidade dos problemas com que se confronta no seu dia-a-dia, sem se saber com o que se conta no curto e no médio prazo. Há muito que o seu governo é um exercício de equilíbrio em cima do fio da navalha. Pé ante pé, mês a mês, tem-se conseguido encontrar resposta para os problemas da Instituição. Contra ventos e marés, a SMS tem honrado escrupulosamente os seus compromissos, mantendo as suas contas em ordem e em dia. Mas esta situação não é mais sustentável. Foi por essa razão que a Direcção da Sociedade Martins Sarmento decidiu tornar públicos, no dia de hoje, os problemas que a inquietam.
Aqui, seguimos o exemplo do nosso patrono, Francisco Martins Sarmento, e não nos resignamos. Não aceitamos, no que respeita às coisas da cultura e do património, o retorno a velhas práticas de sujeição ao espírito de corte, essa velha corte tão benevolente e magnânima nas tenças e nas mercês que distribuía pelos que a frequentavam, e sempre fria, majestática e distraída no modo como se distanciava da pobre gente que tinha a desdita de habitar pela província, lá pelas terras que ficavam para além da linha do horizonte por onde o olhar se estendia, mas que a vista não alcançava. Por não nos resignarmos, continuaremos a trabalhar para que uma Instituição como a Sociedade Martins Sarmento seja tratada com o respeito que lhe é devido.
O discurso da lamúria nunca foi a marca da actual Direcção da Sociedade Martins Sarmento. Somos, por natureza e convicção, optimistas. Sabemos que as dificuldades são transitórias e que acabarão por ser superadas. Porque uma instituição com um passado tão grande, apesar do presente assim mesquinho, só pode ter pela frente um grande futuro. Acreditamos que o Governo Português acabará por cumprir os termos do protocolo que connosco subscreveu e do decreto-lei que ele mesmo aprovou. Na letra e no espírito. Sabemos que a SMS continuará à espera, pelo tempo que for necessário. Só não temos a certeza de que a actual Direcção da SMS tenha tempo e condições para esperar.
Se esta situação não for ultrapassada rapidamente, e na consciência da falta de condições para assegurar o cumprimento daquilo a que nos comprometemos perante os que nos elegeram, embora por razões que nos ultrapassam, seremos forçados a devolver o governo da Sociedade Martins Sarmento aos seus sócios. Entregá-la-emos saneada de dívidas e com um património mais rico do que aquele que nos foi entregue para cuidar, mas com grandes incertezas em relação ao futuro próximo.
Uma última palavra de profunda confiança na capacidade desta instituição em ultrapassar as crises por que tem passado ao longo da sua existência. Por várias vezes lhe decretaram a morte próxima e lhe encomendaram as exéquias. De todas as crises esta velha Instituição recuperou revigorada na sua vitalidade. Assim sucederá agora, uma vez mais.
Apesar de tudo, o último ano foi um ano de intensa actividade cultural, patrimonial, científica e editorial. Para os tempos que aí vêm, não faltam projectos, da renovação do Museu Arqueológico em Guimarães à revalorização do Castro de Sabroso, passando pela reinstalação da nossa Biblioteca, pelo envolvimento nas comemorações do nono centenário do nascimento de D. Afonso Henriques ou pelo assinalar dos 125 anos depois de 1884, ano de viragem de Guimarães no sentido da modernidade, não faltam a esta Instituição projectos estimulantes. Assim não lhe faltem os meios nem o apoio e o carinho dos vimaranenses e de todos quantos se revêem nesta Instituição."
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