03 outubro, 2024

Um Mês, Uma Peça - 1 a 31 de outubro, 2024

 

 


Rabeca Chuleira

Ao longo de 2024, a Sociedade Martins Sarmento (SMS) estuda e expõe em detalhe peças do seu acervo museológico, com o objetivo de partilhar um pouco da história dessas peças e das coleções disponíveis na SMS.
A peça em destaque do mês de outubro é a rabeca chuleira.

Esta peça poderá ser visitada no nosso espaço de terça a domingo das 10h00-12h30 e das 14h30-17h30.

Categoria Instrumentos musicais
Subcategoria Cordofone friccionado com arco

Nº Inventário Et-0248

Denominação Rabeca chuleira

Época/Data Séc. XX
Dimensões (cm) comp. total - 65;
comp. corpo - 40;
larg. corpo - 22,5;
alt. ilhargas: máx. 4,5 mín. 3,5; comp. corda vibrante - 34;
alt. cavalete - 3,5
Matéria Madeira
Localização Reserva etnográfica

Descrição

Rabeca, de formato tipo violino, com quatro ordens de cordas simples sendo duas de aço e duas de tripa. As cordas são fixadas a um estandarte (lacraia) em pau preto, situado na parte inferior do tampo, decorado com osso, e que se encontra preso a um botão (umbigo) em pau preto no fundo da ilharga. Caixa com fundo e costelas em madeira e tampo harmónico em pinho de Flandres (?), com duas bocas em forma de "F", uma de cada lado, e no meio das quais assenta um cavalete em madeira. Braço em madeira, com espelho em ressalto sobre o tampo. Cabeça em forma de voluta, na qual se encaixa o sistema de cravelhas dorsais em pau santo, que permite afinar a tonalidade sonora do instrumento.

Pertence-lhe um arco, constituído por uma vara em pau brasil octogonal, ligeiramente encurvada, à qual num dos topos é aplicada a "ponta" em osso, e no outro topo o "talão", em ébano. Fixas a estes extremos da vara encontram-se as "cerdas", feitas de crina de cavalo, elemento que entra diretamente em contacto com as cordas do instrumento. O talão apresenta um parafuso octogonal sem-fim em metal pelo qual a tensão das cerdas é regulada. O talão é decorado com embutidos em madrepérola. As dimensões (cm) do arco são: comp. 73,2 x alt. 3 x larg. 1,3.



História

A rabeca ou rebeca é um instrumento musical de cordas friccionadas, aparentado ao violino, e geralmente encarado como uma espécie de versão mais rústica ou primitiva deste último. Apesar da evidente semelhança entre os dois, a rabeca pode ser considerada como um instrumento com identidade própria, uma vez que se distingue do violino em muitos aspetos, principalmente na construção e no modo de tocar.


Ao contrário do violino, a rabeca não possui um padrão universal de construção, apresentando muitas variações no tamanho, formato, número de cordas, afinações utilizadas e materiais empregados na sua confeção. As características de cada instrumento obedecem às tradições regionais e também à criatividade e aos meios de que dispõe o construtor de rabecas, que é na maior parte das vezes um artesão com poucos recursos materiais. Quanto à maneira de tocar, o violino é normalmente posicionado sob o queixo do músico; a rabeca, embora também possa ser tocada nesta posição, é mais frequentemente apoiada sobre o peito ou sobre o ombro esquerdo do tocador, à maneira de alguns instrumentos medievais. Tanto as características do instrumento como da sua execução permitem ao rabequeiro (ou rabequista) uma ampla variedade de timbres e sonoridades, bastante distintos daqueles encontrados no violino.


Identificar uma origem precisa para a rabeca é uma tarefa complicada. Entre os seus ancestrais mais remotos, estão provavelmente os primeiros instrumentos de cordas friccionadas, trazidos pelos árabes para a Europa, como o rabab ou rebab, de origem persa, e o ar’abebah, utilizado pelas tribos berberes da África do Norte. Estes instrumentos em geral traziam apenas uma ou duas cordas e uma caixa de ressonância em formato de pêra, recoberta por couro. Versões mais sofisticadas destes instrumentos, chamadas de rabé, rabel ou rebec, agora já com tampo de madeira e três cordas afinadas em quintas justas, tornaram-se extremamente populares na baixa Idade Média.


Com o tempo, estes instrumentos acabaram por misturar-se com diversos tipos de violas de cordas pulsadas, então em voga na Europa, como a vihuela espanhola. O resultado foi um novo instrumento que combinava a técnica e o som das cordas friccionadas com o formato característico da caixa de ressonância das violas, composta de dois tampos interligados por ilhargas, com um estreitamento central formando uma espécie de cintura. Ao contrário das violas, contudo, este novo instrumento tinha os tampos mais grossos e côncavos, e continuava a ser afinado em quintas. É com estas características que encontramos as primeiras referências ao instrumento chamado rabeca.


Uma variante menor deste instrumento, tocada sob o queixo e modificada por gerações sucessivas de meticulosos artesãos até alcançar um formato padronizado, resultaria no violino e nos outros instrumentos da sua família, que mais tarde se tornariam dominantes em toda a Europa. Com a popularização do violino, a rabeca tornou-se praticamente obsoleta no continente europeu, permanecendo apenas em algumas regiões, principalmente áreas rurais e montanhosas. É o caso da rabeca chuleira portuguesa, do rabel dos pastores castelhanos e da rubeca presente em alguns pontos da cordilheira italiana.


Acredita-se que a rabeca tenha origens na região de Entre Douro e Minho, no norte de Portugal, especialmente nas áreas em redor de Amarante durante o século XVIII. Na tradição portuguesa, a rabeca chuleira é uma variação de escala curta tocada em bandas de aldeia ao lado de guitarras ou viola braguesa, tambores, triângulo e, ocasionalmente, a gaita transmontana ou a gaita de fole galega.


Em Portugal, a rabeca chuleira (também conhecida como rabeca rabela, chula de Amarante, chula de Penafiel ou ramaldeira dependendo da região onde é tocada com muito pouca variação) ainda é amplamente associada às gentes do Minho, Douro Litoral e, até certo ponto, da Beira Litoral. No entanto, não tem uma popularidade importante no resto do país e tem sido lentamente substituída pelo violino no folclore português.


Segundo Ernesto Veiga de Oliveira, a rabeca integra os conjuntos musicais denominados, localmente, “rusgas, rusgatas, tocatas, festadas, rondas, estúrdias, súcias, etc.”. A rabeca chuleira, além de ser associada a esses grupos musicais, é, também, associada à chula. O autor sustenta que “relacionado com ela [chula], se encontra um instrumento específico, que é propriamente a alma dessa chula e lhe confere o tom especial que a caracteriza: a rabeca chuleira, rabela ou ramaldeira, violino popular de braço muito curto e escala muito aguda, que é o principal instrumento melódico do conjunto".


Este sustenta que a origem da rabeca chuleira, apesar de incerta, pode encontrar-se no rabel mourisco ou rabeca medieval: “Poder-se-ia pensar na hipótese de uma sobrevivência do rabel mourisco, ou da rabeca medieval, que se teria popularizado depois do aparecimento do violino, e que, sendo mais tarde absorvida por este, conservara, nesta região, do instrumento originário, as proporções e o nome”.
 

Segundo o autor, a rabeca chuleira é um instrumento que terá surgido, eventualmente, entre os séculos XVII e XVIII: “A rabeca rabela ou chuleira parece-nos um instrumento recente, que representa a modificação do violino vulgar, popularizado certamente apenas no decurso dos séculos XVII ou XVIII.”


Justifica a construção deste instrumento, semelhante ao violino, mas com o braço curto e o registo agudo, sustentados no gosto das pessoas, nas referidas regiões, por esta sonoridade: “É conhecido o gosto do nosso povo, sobretudo da região de Entre Douro e Minho, pelas vozes sobreagudas, quase gritantes. [...] E é então natural que alguns tocadores tivessem a ideia de arranjar um instrumento que, conservando a estrutura fundamental, a técnica e a afinação do violino, fossem já, por si só, por meio de um braço reduzido, ainda, mas alto que o violino”.


O autor sustenta a ideia de que o braço da rabeca foi sendo encurtado, gradualmente, até alcançar o tamanho atual. Na sua perspetiva, inicialmente seria mais comprido do que hoje: “Em épocas mais recuadas, parece que as rabecas chuleiras tinham um braço sensivelmente mais comprido, e que, consequentemente, a sua escala pouco mais aguda era que a do violino vulgar” [...] “Indica-se mesmo, com precisão, que essas rabecas eram três ‘pontos’ mais altos do que o violino vulgar”.



Bibliografia
- Catálogo do Museu de Martins Sarmento - Secção de Etnografia, Guimarães, 1981, p.15

- OLIVEIRA, Ernesto Veiga, "Instrumentos Musicais Populares Portugueses", Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1966, pág. 62-63, 154-155 

 

publicado por SMS às 10:11

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