Continuamos por cá... | 140 anos da Expedição Científica à Serra da Estrela
Na gravura: o Castro do Tintinolho (Guarda).
Passam hoje, 1 de Agosto, 140 anos sobre a partida de Lisboa da equipa de investigadores que empreendeu a célebre Expedição Científica à Serra da Estrela, no ano de 1881.
Inspirada por expedições e descrições anteriores sobre a geografia do maciço montanhoso, cujas características, potencialidades e recursos eram muito pouco conhecidos, a Sociedade de Geografia de Lisboa, fundada em 1875, obteve o apoio do Governo para a formação de uma equipa multidisciplinar que visou explorar, no terreno, vários aspetos então desconhecidos da Serra da Estrela. O estudo dos recursos naturais, como a mineralogia, a botânica, a geologia, a hidrografia, deveriam informar o aproveitamento futuro da Estrela, e, concretamente, a curto prazo, a colocação de uma estação meteorológica e o aproveitamento medicinal das potencialidades da Serra. Foi por esta razão que um dos principais vultos que coordenaram a expedição foi o Dr. Sousa Martins, que presidiu à comissão executiva da mesma, juntamente com o não menos célebre Hermenegildo Capelo. As várias secções temáticas da expedição incluíram mais de sessenta pessoas, entre académicos, militares, médicos, professores, engenheiros e trabalhadores de vários ofícios, incluindo mesmo uma equipa de cozinha.
Este estudo da serra mais alta de Portugal continental quis-se o mais abrangente possível, incluindo também o que hoje chamamos ciências sociais e humanas, nas suas secções de Antropologia, Arqueologia e Etnografia. Coube a Francisco Martins Sarmento a coordenação da Secção de Arqueologia, na qual foi acompanhado por Gabriel Pereira e Joaquim de Vasconcelos.
Vivia-se então a convicção de que os Montes Hermínios da Antiguidade (expressão que poderia definir todo o nosso Maciço Central, e não apenas a Estrela) teriam sido o inexpugnável reduto dos Lusitanos, por inspiração direta das fontes clássicas. Havia, por isso, particular interesse no estudo dos vestígios arqueológicos da região montanhosa.
A expedição seria um exercício penoso para Martins Sarmento que, em 1889, a descrevia nestes termos a Emil Hübner:
Vivia-se então a convicção de que os Montes Hermínios da Antiguidade (expressão que poderia definir todo o nosso Maciço Central, e não apenas a Estrela) teriam sido o inexpugnável reduto dos Lusitanos, por inspiração direta das fontes clássicas. Havia, por isso, particular interesse no estudo dos vestígios arqueológicos da região montanhosa.
A expedição seria um exercício penoso para Martins Sarmento que, em 1889, a descrevia nestes termos a Emil Hübner:
"Eu fui um dos mártires desta caravana. Digo - mártir - porque ainda me lembro com horror da maçada e do calor, que então apanhei. Imagine que depois de espreitarmos pela Serra o que pudemos, tivemos de vir a pé para Seia, esperando achar aí algumas comodidades para explorar aqueles sítios. Pois não! Não havia carros para alugar. No primeiro dia ainda tivemos uns cavalicoques para ir a Torrozelo e a Bobadela; no segundo dia nem isso! Para irmos a Paranhos tivemos de alugar um carro puxado a bois! Perdi a paciência e fugi, com pena; porque em volta da Serra há, segundo me afirmaram, antiguidades aos montes."
[carta datada de 12 de Janeiro de 1889]
[carta datada de 12 de Janeiro de 1889]
Precisamente, uma das informações mais relevantes do relatório elaborado por Sarmento e pelos colegas que o acompanharam nesta Secção de Arqueologia, foi precisamente a "esterilidade arqueológica" das zonas mais montanhosas e inóspitas, aqui patente numa referência a propósito da recolha etnográfica:
"Se para fins ethnographicos se pergunta aos pastores por bruxas, lobishomens, etc., elles respondem que d'isso não ha na Serra, mas lá para baixo, para a terra chã, quer dizer, para sitios habitados desde tempos immemoriaes, onde, que não nos despovoados, criam verdadeiras raizes as velhas legendas, precisando de uma população que as alimente pela tradição de paes a filhos, e, em regra, de monumentos de civilizações extinctas, em que sejam localisadas, e a bem dizer authenticadas.
Agora, se seguimos o caminho apontado pelos pastores, e dirigimos as nossas buscas para as cercanias da Serra, a começar pelos outeiros e cabeços que ligam com as planicies e valles, a esterilidade transforma-se em abundancia."
[página 8 do relatório]
Agora, se seguimos o caminho apontado pelos pastores, e dirigimos as nossas buscas para as cercanias da Serra, a começar pelos outeiros e cabeços que ligam com as planicies e valles, a esterilidade transforma-se em abundancia."
[página 8 do relatório]
Ou seja, foi precisamente nas faldas da Serra da Estrela que se identificaram vestígios de presença humana mais antiga, descritos de acordo com o programa que tinha sido previamente entregue aos investigadores, que incluía uma série de quesitos a responder, dividido entre "estações pré-históricas", então entendidas como assentamentos humanos anteriores à época romana, e "monumentos megalíticos", nos quais se incluíram sepulturas rupestres e gravuras.
Foram, assim, identificados no terreno os povoados castrejos de São Romão e de Torrozelo (Seia) e do Tintinolho (Guarda), recolhendo-se, porém, informações sobre vários outros assentamentos similares nos vários concelhos que rodeiam a Serra da Estrela. No segundo grupo, fez-se uma primeira identificação de vários sítios megalíticos, mas com notáveis levantamentos das antas do Fontão (Paranhos da Beira, Seia) e da Pêra do Moço (Guarda), hoje propriedade da SMS, e então referida por Sarmento como Anta do Carvalhal das Gouveias, aldeia que também lhe fica próxima.
As informações mais relevantes, porém, são as que se referem aos vestígios romanos de Bobadela (Oliveira do Hospital), hoje bastante conhecidos, mas uma novidade no século XIX, tendo-se registado o famoso arco, que hoje se crê ser um dos acessos ao fórum desta antiga sede de civitas. Os vestígios de Bobadela permitiram a Martins Sarmento ensaiar a evolução do povoamento entre a época pré-romana e medieval, deste trecho de território:
Foram, assim, identificados no terreno os povoados castrejos de São Romão e de Torrozelo (Seia) e do Tintinolho (Guarda), recolhendo-se, porém, informações sobre vários outros assentamentos similares nos vários concelhos que rodeiam a Serra da Estrela. No segundo grupo, fez-se uma primeira identificação de vários sítios megalíticos, mas com notáveis levantamentos das antas do Fontão (Paranhos da Beira, Seia) e da Pêra do Moço (Guarda), hoje propriedade da SMS, e então referida por Sarmento como Anta do Carvalhal das Gouveias, aldeia que também lhe fica próxima.
As informações mais relevantes, porém, são as que se referem aos vestígios romanos de Bobadela (Oliveira do Hospital), hoje bastante conhecidos, mas uma novidade no século XIX, tendo-se registado o famoso arco, que hoje se crê ser um dos acessos ao fórum desta antiga sede de civitas. Os vestígios de Bobadela permitiram a Martins Sarmento ensaiar a evolução do povoamento entre a época pré-romana e medieval, deste trecho de território:
"Se pois não estamos em erro, n'este pequeno recanto da Beira a civilização pre-romana, romana e post-romana deixam perceber os elos do seu encadeamento com uma nitidez relativa, que não é facil encontrar n'outra parte, e este facto julgâmol-o de summa importancia, tanto absolutamente, como por dar uma consistencia real a inducções, que o exame de outras localidades tornava até hoje pouco menos de arbitrarias."
[página 14 do relatório]
[página 14 do relatório]
O relatório da Secção de Arqueologia da Expedição Científica à Serra da Estrela está disponível na página da Casa de Sarmento.
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