Biblioteca e Arquivo da SMS | Comentários à "Orae Maritimae" de Avieno, por Francisco Martins Sarmento
Divulgámos, há dias, nesta rúbrica, a existência, na Biblioteca da SMS, de uma edição (em latim e em francês) da Orae Maritimae de Rúfio Festo Avieno, traduzida por Eugène Despois e Édouard Saviot (1843). Esta edição, de C. L. F. Panckoucke, terá sido utilizada pelo próprio Sarmento, posto que integrava a sua "livraria" pessoal e conserva ainda anotações manuscritas do nosso patrono.
Atribuem-se várias obras a Avieno, nomeadamente a "Descrição da Terra" (Descriptio orbis terrae) e traduções para latim dos obras Phenomena e Diosemeia do poeta grego Aratus. Estas obras estão também incluídas na edição francesa de 1843, que referimos acima.
A Orae Maritimae (título que se costuma traduzir como "Costas Marítimas" ou "Orla Marítima") é um poema que contém uma descrição geográfica da costa ocidental da Europa. Para a maioria dos autores trata-se da descrição da costa entre o Mar Cantábrico e o Golfo do Leão, ou seja, abrangendo as costas da Península Ibérica. Para outros, nos quais se inclui Martins Sarmento, a descrição seria mais ampla, incluindo pontos da costa da Bretanha francesa, por exemplo.
Esta diversidade de interpretações foi levantada pelas designações geográficas pouco claras do texto. Avieno, dirigindo o poema ao seu amigo Petrónio Probo, como se se tratasse de uma carta, diz "expor ao teu [Probo] critério o contorno daquele país, do qual eu havia tido notícia por páginas antigas" (v. 8-9). Nesta e noutras citações, Avieno diz basear-se em fontes antigas para descrever a linha da costa, que inclui cabos, enseadas, ilhas, desembocaduras de rios, tudo designado por nomes que já não se usavam no século IV. Usa também alguns nomes próprios para designar a Península Ibérica e alguns povos que a habitavam, como Estrímnia, Ofiússa, os Sefes, Cempsos, Cinetes, Dráganos e Lysis. Estes últimos poderão estar na origem do nome dos Lusitanos ou, segundo Sarmento, dos Lígures, que teriam uma origem comum com os habitantes da atual Ligúria. Avieno conta assim uma história, a meio caminho entre a realidade e a ficção.
Criou-se a convicção, nos finais do século XIX, muito alimentada pelo investigador Adolf Schulten no século XX, de que a "Orla Marítima", escrita no século IV, era uma transcrição de um texto do século VI a. C., vagamente conhecido pela expressão "périplo massaliota", que teria sido escrita por um navegador de origem grega, de Massília, atual Marselha. Esta cronologia tão apurada, para uma obra cuja existência nunca se comprovou, está relacionada com as teorias em voga na época relativas às invasões de 500 a. C. na Península Ibérica, que teriam assim uma comprovação documental indireta.
De qualquer forma, a obra de Avieno do século IV, que é o que existe de facto, é uma composição interessante que mostra, pelo menos em alguns trechos, uma correspondência geográfica bastante exata. Este pormenor, juntamente com as convicções sarmentinas acerca dos Lígures, esteve na origem das duas grandes obras de Sarmento que comentam o poema de Avieno, existentes na Biblioteca da SMS.
Atribuem-se várias obras a Avieno, nomeadamente a "Descrição da Terra" (Descriptio orbis terrae) e traduções para latim dos obras Phenomena e Diosemeia do poeta grego Aratus. Estas obras estão também incluídas na edição francesa de 1843, que referimos acima.
A Orae Maritimae (título que se costuma traduzir como "Costas Marítimas" ou "Orla Marítima") é um poema que contém uma descrição geográfica da costa ocidental da Europa. Para a maioria dos autores trata-se da descrição da costa entre o Mar Cantábrico e o Golfo do Leão, ou seja, abrangendo as costas da Península Ibérica. Para outros, nos quais se inclui Martins Sarmento, a descrição seria mais ampla, incluindo pontos da costa da Bretanha francesa, por exemplo.
Esta diversidade de interpretações foi levantada pelas designações geográficas pouco claras do texto. Avieno, dirigindo o poema ao seu amigo Petrónio Probo, como se se tratasse de uma carta, diz "expor ao teu [Probo] critério o contorno daquele país, do qual eu havia tido notícia por páginas antigas" (v. 8-9). Nesta e noutras citações, Avieno diz basear-se em fontes antigas para descrever a linha da costa, que inclui cabos, enseadas, ilhas, desembocaduras de rios, tudo designado por nomes que já não se usavam no século IV. Usa também alguns nomes próprios para designar a Península Ibérica e alguns povos que a habitavam, como Estrímnia, Ofiússa, os Sefes, Cempsos, Cinetes, Dráganos e Lysis. Estes últimos poderão estar na origem do nome dos Lusitanos ou, segundo Sarmento, dos Lígures, que teriam uma origem comum com os habitantes da atual Ligúria. Avieno conta assim uma história, a meio caminho entre a realidade e a ficção.
Criou-se a convicção, nos finais do século XIX, muito alimentada pelo investigador Adolf Schulten no século XX, de que a "Orla Marítima", escrita no século IV, era uma transcrição de um texto do século VI a. C., vagamente conhecido pela expressão "périplo massaliota", que teria sido escrita por um navegador de origem grega, de Massília, atual Marselha. Esta cronologia tão apurada, para uma obra cuja existência nunca se comprovou, está relacionada com as teorias em voga na época relativas às invasões de 500 a. C. na Península Ibérica, que teriam assim uma comprovação documental indireta.
De qualquer forma, a obra de Avieno do século IV, que é o que existe de facto, é uma composição interessante que mostra, pelo menos em alguns trechos, uma correspondência geográfica bastante exata. Este pormenor, juntamente com as convicções sarmentinas acerca dos Lígures, esteve na origem das duas grandes obras de Sarmento que comentam o poema de Avieno, existentes na Biblioteca da SMS.
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