Concerto na Igreja de São Francisco revela "As paixões de Guimarães"
"As Voces Caelestes" é o nome do grupo
vocal que se vai apresentar dia 23 de março, às 18h00, com o grupo coral da
Academia de Música Valentim Moreira de Sá, para um concerto intitulado “ As paixões
de Guimarães”.
Este concerto resulta de um importante códice musical existente na Sociedade Martins Sarmento (Gs SL 11-2-4), composto cerca de 1580. Trata-se da música da Semana Santa, na qual é especialmente relevado o canto dramático da Paixão de Cristo, tal como se cantava em Santa Cruz de Coimbra no século XVI. Sabe-se desta evidência pelo facto de existir na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra um códice similar, infelizmente maltratado (Cug MM 56), que teria sido usado na Liturgia do Domingo de Ramos, da Terça, Quarta e Sexta-Feira Santas. O facto de este livro de música se encontrar em Guimarães deve explicar-se pela mesma razão de, entre os três livros de música existentes da Biblioteca Nacional de Portugal que pertenceram ao Convento de Santa Clara de Guimarães, existir um (Ln LC 59) proveniente de Santa Cruz de Coimbra com música de D. Pedro de Cristo, um dos principais compositores daquele mosteiro crúzio e o autor provável das principais polifonias deste códice: uma explicação que a história regista devido à irradiação da importante música criada no dito Mosteiro de Coimbra por outros centros religiosos do nosso país.
Descoberto que foi este códice, devidamente estudado e contextualizado em tese de doutoramento, primeiro, e logo preparado para sair a público em edição fac-similada e cuidadosamente apresentada, com a respetiva transcrição para música moderna, graças ao investimento de Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012, assim se tornou possível esta primeira execução moderna da música utilizada na Semana Santa de Coimbra e Guimarães. Na música das duas Paixões, que aqui vão ser cantadas, e em relação ao que acontecia já em todas as igrejas portuguesas do século XVI, em que o tonus passionis era muito diferente do praticado em toda a cristandade, sobressaem duas autênticas novidades: a primeira é a existência de alguns versículos da Paixão cantados a três vozes, especialmente alguns ditos de Cristo, assim obviamente enfatizados; e a segunda é um canto monofónico claramente mensuralizado, isto é, submetido a regras de ritmo por vezes muito diferenciado. Tudo o qual se explica pela mística da Paixão concebida no Mosteiro de Santa Cruz, justificando bem o seu nome, e pela fama que tiveram os cantores do mesmo Mosteiro reconhecida até na vizinha Espanha.
Este concerto das antigas Paixões de Guimarães, e Coimbra, vai ser acompanhado por duas versões salmódicas e uma ladainha de defuntos, a 4 vozes, do mesmo códice da Sociedade Martins Sarmento e terá ainda o contributo especial do canto das turbas da Paixão composto por D. Pedro de Cristo, tal como existe na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra (Cug MM 18 e MM 53).
Apresenta-se, assim, em versão de concerto, e pela primeira vez nos tempos modernos, o canto solene da Paixão, tal como se teria feito em Guimarães, provavelmente na Colegiada da Oliveira, a partir do século XVI, no qual o texto do Evangelho era assinalado por três diáconos cantores, os quais, além de executarem a três vozes os versos especiais acima referidos, repartiam entre si o drama da Paixão cantando em diferentes níveis de recitativo, os papéis de narrador, do Cristo e dos restantes personagens intervenientes no relato evangélico.
[Através de José Maria Pedrosa Cardoso]
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